Política

Em todo o mundo é comum a relação entre determinados clubes ou torcidas de futebol e certas ideologias políticas, na Itália temos os comunistas do Livorno e os fascistas da Lazio, na Espanha os socialistas do Rayo Vallecano, os franquistas do Real Madrid e os separatistas bascos do Athletic Bilbao, temos times ligados à esquerda libertária entre os alemães que apóiam o St Pauli e entre ingleses da torcida do West Ham. O maior clássico mundo, Celtic e Rangers da Escócia, além do conflito entre católicos e protestantes também carrega a marca das disputas entre esquerda e direita. O ódio racial da torcida do Estrela Vermelha serviu de base para a organização paramilitar que na Guerra da Bósnia comandaria o massacre étnico contra muçulmanos.

Os exemplos, enfim, são muitos e diversos; na Argentina essa ligação entre política e futebol também é grande e por conta da origem operária dos clubes quase todas as torcidas se identificam como de esquerda e a maioria delas cerram fileiras com o peronismo, um movimento que representa uma esquerda nacionalista e populista, defensora um Estado intervencionista aliado aos interesses dos trabalhadores urbanos. Baseado nas idéias e práticas de Juan Domingo Perón, um político que presidiu a Argentina entre 1946 e 1955 e, posteriormente, entre 1973 e 1974, o peronismo aceita o Estado centralizador e autoritário como forma de garantir um governo assistencialista aliado a sindicatos operários que age como pai dos pobres. 

Durante a ditadura militar, as arquibancadas foram um dos poucos locais de onde se podia ver algum tipo de oposição ou contestação ao regime. É famoso o episódio ocorrido em 1981 quando dezenas de torcedores do Nueva Chicago são presos pela polícia por cantarem na arquibancada a Marcha Peronista. Cantos políticos e reivindicações populares sempre foram comuns nos estádios argentinos e durante a ditadura alguns grupos de esquerda, como a guerrilha montonera, buscaram se aliar às barras na luta contra os militares, o que levou a uma violenta repressão e à morte de vários torcedores pelas forças armadas. Diversas denúncias dão conta que várias das mortes supostamente ocorridas em conflitos entre torcidas na verdade forma crimes políticos cometidos pelo governo militar.

Perón e sua esposa Evita são mitos argentinos e estão presentes também nos estádios, é comum observar cantos e enormes faixas e bandeiras que lhes fazem referências nas mais diversas torcidas. A política cria e reforça identidades e comportamentos, o peronismo acirra rivalidades e define aliados: torcedores do Boca e do Racing teimam em afirmam que seus clubes eram o preferido de Perón, aliados, os hinchas do Tigre e do Chacarita cantam a mesma música nos estádios:  Perón y Evita! Tigre e Chacarita! Além dos já citados, o peronismo ainda faz parte da história das torcidas de clubes como Lanus, Gimnasia, Belgrano, Colon, Nueva Chicago e Rosário Central, isso só para citar algumas daquelas que se entre aquelas  que estão mais alinhadas. 

Em manifesto de 2010 o grupo conhecido como Hinchadas Unidas Argentinas (HUA), que agrupa as barras de onze dos principais times do país (entre eles Velez, Independiente, Argentinos e Huracan), reafirma sua afiliação ao peronismo uma tradição que segundo eles possui mais de 60 anos e seu alinhamento com o casal Kirchner. Se o peronismo une também separa, para além da HUA recentemente uma enorme bandeira com imagens do casal Perón pode ser vista na torcida do River Plate e provocado a ira de torcedores do Boca que se consideram mais peronistas que os rivais. Mesmo questionado por torcedores de clubes como Racing, Boca, River e San Lorenzo, o fato é que nos últimos anos tem aumentado aproximação entre diversas barras e alguns aparelhos do governo federal que lhes oferecem certos privilégios e reconhecimento em troca de apoio político e paz nas arquibancadas.

 
A ligação entre futebol e política é antiga, ainda na década de 1940 o então presidente argentino já fazia questão de vincular seu nacionalismo às conquistas da seleção e dos clubes do país. A tentativa de ligar conquistas futebolísticas ao regime político ou à imagem do governo foi bastante comum em toda a América do Sul, sobretudo durante as ditaduras, na Argentina isso ocorreria de forma mais evidente durante a Copa do Mundo de 1978, sediada no país. Assim como havia ocorrido em outros países sul-americanos, a ditadura usava o esporte para buscar apoio popular ligando as conquistas em campo com os interesses do governo. Seguindo o que havia se passado no Brasil, os militares tentaram eleger a seleção como representante do regime, influenciando até mesmo na escolha da comissão técnica.

Na busca de apoio popular, a seleção argentina seria utilizada como instrumento da ditadura até 1982, mais especificamente até 2 de julho daquele ano, quando num mesmo dia o país perdia em campo para o Brasil, sendo eliminada da Copa da Espanha, e perdia a Guerra das Malvinas, se rendendo às Forças armadas inglesas. Era o fim da ditadura. A derrota para a Inglaterra seria ‘vingada’ quatro anos depois quando em campo a seleção Argentina que com o orgulho ferido e carregando a alma de milhões de portenhos derrotaria os ingleses com dois gols de Maradona, um de mão e um de gênio, naquele que seria o mais importante jogo de Copa do Mundo e talvez a partida mais extraordinária de todos os tempos.