Não se
sabe exatamente como ou quando surgiu o termo Barra brava, mas ele aparece já
em 1925 quando a revista argentina Critica publicou uma nota com esse mesmo
nome para definir ‘grupos mais ou menos uniformes de energúmenos que vão aos
campos com o objetivo de manifestar seus baixos instintos’. Manifestar baixos
instintos seria, entre outras coisas, o mesmo que agir de forma irracional,
estúpida ou violenta. Hoje, quase um século depois, o senso comum repete essa
mesma visão, as barras bravas seriam grupos de torcedores fanáticos e violentos
que agem de forma instintiva e irracional por conta da paixão que devotam aos
seus clubes. Na verdade esse discurso repete a fala do torcedor, para quem
futebol é uma paixão inexplicável e para quem tudo o que dele decorre é
sentimento, é passional e também sem explicação. É como se as disputas, brigas,
violências e mortes pudessem ser naturalizadas pelo predomínio dos instintos. Para além dos instintos há, porém, uma lógica, existem razões para a
violência como também razões há para as amizades e isso pode ser compreendido.
Seria demasiado ingênuo acreditar que indivíduos se unem às barras apenas para
brigar e colocar suas vidas em risco sem que ganhassem nada em troca além da
adrenalina disparada nos conflitos. Caso acreditássemos que são apenas grupos
de vândalos, organizados em torno das atitudes violentas, seríamos obrigados a
pensar que os conflitos são pouco frequentes e que os milhares de membros das
barras pouco ou nada ganham com elas, já que poderiam arrumar brigas com maior
frequência em qualquer bar ou boate da cidade, da mesma forma deixaríamos de
entender que uma parcela significativa dos conflitos se dão entre membros de
uma mesma torcida. É preciso entender que para muitos a barra é uma espécie de
família, é o lugar das amizades, do sentimento de pertencimento, é onde o
indivíduo se vê como parte de um todo e como membro de uma comunidade que dá
sentido às suas ações, não seria, portanto, muito diferente de uma igreja, de
um grupo assistencial, de uma célula de um partido político ou qualquer
grupo semelhante.
Torcidas Argentinas
...porque paixões não reconhecem fronteiras!
23 de abr. de 2016
17 de mar. de 2014
Perder a alma, a pior derrota
Para os mais de 75 mil torcedores
que lotaram o estádio, o empate com o Boca em 0 a 0 foi só um detalhe naquele
triste e amargo 2 de dezembro de 1979. Com nó na garganta, os milhares de
torcedores do San Lorenzo saíram de cabeça baixa deixando para trás um campo
sagrado que não voltariam a ver. Naquela noite os portões do estádio do Viejo
Gasómetro fechariam para nunca mais abrir. O acúmulo de erros administrativos
das diretorias do clube, o sonho de modernização e pressão da ditadura militar
que dizia desejar re-urbanizar o bairro levaram as arquibancadas ao chão. Verdade
que o estádio nada tinha de moderno e que as dívidas do clube eram gigantescas,
mas o que levou a ditadura a derrubar o estádio foi a especulação imobiliária e
o desejo por lucros extraordinários por parte de alguns grandes empresários, no
terreno sagrado de Boedo foi construído um Carrefour. Com as mesmas três cores
do San Lorenzo o odiado supermercado representava a maior derrota do clube e a
vitória do capital contra a paixão. Caiu as arquibancadas e com elas o time, o
clube. Sem casa e endividado, dois anos depois o San Lorenzo amargava sua queda
para a segunda divisão, foi o primeiro dos grandes a cair. Nos catorze anos
seguintes os corvos ficaram sem estádio e sem títulos, jogando em campos que
não eram seus, geralmente utilizando o estádio Monumental do rival River Plate
ou o estádio do pequeno Atlanta na Villa Crespo. Por mais de uma década foi um
time sem bairro, o que no futebol argentino significa ser um time sem alma. Sem
alma, talvez, mas não sem torcida, a torcida fanática seguiu o time e na
segunda divisão bateu todos os recordes de público. O novo estádio, inaugurado
em 1993 no ‘distante’ bairro de Bajo Flores, significava uma nova casa mas
nunca chegou a ser um lar, a torcida do Ciclón sempre nunca deixou de sonhar
com o retorno a Boedo. Ao longo dos anos o sonho virou obsessão e ganhou as
ruas em 2012. Depois de gigantescas manifestações com dezenas de milhares de
pessoas o poder público finalmente reconheceu o direito histórico do clube de
reaver sua antiga sede. A campanha Volver a Boedo ganhou a batalha nos
tribunais e agora busca viabilizar economicamente a volta à terra santa, o
retorno ao novo Velho Gasômetro e a um futuro que volta ao passado, o melhor
passado!
22 de dez. de 2013
San Lorenzo, abençoado!
Nenhuma torcida pode ser mais feliz. O momento é dos corvos, 2013 foi o ano do San Lorenzo de Almagro; 2014 também será. O título do campeonato argentino, torneio inicial, e a Libertadores deste ano coroam o momento mais importante da centenária e gloriosa história do clube. O ano da graça azul-grená começa, na verdade, em março de 2012 quando mais de 100 mil torcedores se uniram numa gigantesca manifestação popular pela retomada do terreno ‘sagrado’ onde foi construído (e depois vendido e derrubado por pressão ditadura militar) o antigo estádio do clube no bairro de Boedo. Com uma intensa campanha dos torcedores, o San Lorenzo conseguiu reaver o seu direito ao terreno em novembro: um grande título. Mas a vitória nos tribunais trouxe o sonho do novo estádio mas não trouxe as vitórias em campo e o time só se livrou do rebaixamento nas últimas rodadas. Ano novo, vida nova, se o San Lorenzo não conseguia títulos conseguiu um fato inédito, elegeu um papa! A escolha do cardeal Bergoglio, fanático torcedor do Ciclón, elevou mundialmente o nome do clube, trouxe novas esperanças e reacendeu orgulhos. Esses orgulhos e esperanças tomaram a torcida e somaram-se a um inigualável espírito de luta num time sem estrelas que começou o campeonato desacreditado e chegou a última rodada disputando o título com Velez, Newells e Lanus. O time azul-grená chegou ao título vencendo seus principais rivais, Boca, River e Racing, vendo o Independiente e o Huracan na B, e depois de um jogo emocionante fazendo a festa final na casa do Velez! A vitória no torneio inicial coroa um longo ano de felicidades, a provável conquista da Libertadores poderá representar a maior conquista da sua história. Com direito a milagre e tudo.
27 de dez. de 2012
Grande pela sua gente!
O tempo não importa, os anos não importam. Não se pode medir uma paixão
em dias nem se pode buscá-la nas páginas do calendário. Os números também não importam,
quantos foram os milhões que nasceram, cresceram, se casaram, tiveram filhos ou
morreram nessas mais de quatro décadas. O que conta é cada gota do sangue de
cada criança que se fez hincha, que sentiu seu coração bater mais forte e em
algum dia da sua vida se viu torcedor do Racing; é isso que importa! É por isso
que formamos um exército de seres únicos agrupados em pelotões marcados pela
dor e pelo orgulho; sim, foram incontáveis as vezes que essa guarda saiu pelas
ruas com seus soldados de cabeça inchada e coração apertado buscando no fundo da
sua dor um grito de ânimo e um sentimento de esperança, tirando da garganta rasgada
o grito de orgulho: Soy de Racing carajo! Quem viu o Racing campeão argentino
de 1966, campeão da Libertadores e campeão do mundo em 1967 jamais poderia
prever os anos que viriam: um, apenas um campeonato em 45 anos. Numa espera de
35 anos e num amor eterno, descobrimos que são essa dor e esse orgulho que nos
move e nos torna únicos, se não ganhamos, que se foda! Nenhuma lágrima será em
vão. O mundo vai ouvir: o Racing é grande pela sua gente; e isso basta! Continue lendo:
4 de dez. de 2012
Um pedido de desculpas
Noventa e sete mortes. Vinte e três anos. Uma verdade escondida e uma
mentira oficial. Várias doses de ignorância, pitadas de poder e manipulação a
gosto. Junte esses ingredientes e você tem um rico material para pensar as
relações espúrias entre a mídia, o governo e os poderes do Estado. Dia 15 de
abril de 1989, os times do Liverpool e do Nottinghan Forest disputariam a final
da Copa da Inglaterra. Quando o jogo começa centenas de torcedores estavam fora
do estádio impedidos de entrar mesmo com ingressos nas mãos, é quando policiais
resolvem abrir os portões iniciando um tumulto, aqueles que estavam à frente
passam a ser empurrados contra as grades; como resultado, duas mil pessoas esmagadas
e 96 mortos. A maior tragédia da história do futebol europeu nasce de uma série
de erros, com um mínimo de organização não haveria mortos ou feridos. A polícia
impediu os torcedores de tentar escapar em direção ao campo e depois ainda condenando-os
à morte. Muitos deles não foram socorridos, o que poderia lhes garantir a vida.
É quando começam as mentiras, a polícia britânica culpou os torcedores do
Livepool, adulterou depoimentos, forjou situações e buscou transformar as
vítimas em culpados lhes imputando históricos de brigas, crimes e envolvimento
com álcool ou drogas. O governo inglês permitiu que as provas fossem alteradas
para redimir a culpa do poder público e evitar desgastes. Continue lendo:
8 de out. de 2012
O fim de uma era
The Old Firm, é assim que se
chama uma das mais importantes batalhas campais da história, o clássico escocês
entre Celtic e Rangers, para muitos a maior rivalidade do futebol mundial. É
mais que isso! Quem ainda acha que futebol é um apenas um esporte, dificilmente
poderá entender o peso da batalha e a história que entra no gramado ou se
instala nas arquibancadas a cada partida. No futebol a rivalidade começou no
século XIX ,mas, como diria tio Nelson, o mais provável é que a disputa tenha
começado quarenta minutos antes do nada. Nos estádios de Glasgow é comum se
ouvir cantos que relembram batalhas ocorridas a mais de quatrocentos anos, como
as que se referem ao massacre de católicos ocorrido durante a reforma protestante,
e gritos que mostram uma Escócia dividida pela política e pela religião. O Celtic foi fundado dentro da pobre e
católica comunidade irlandesa, daí o verde do uniforme e o trevo como símbolo, por
oposição o Rangers se firmou como o time dos britânicos e protestantes e por
quase de cem anos nenhum católico pôde jogar na equipe; ser torcedor do Celtic
significa ser católico, ser contra o Reino Unido e contra a Rainha, significa
fazer parte de uma minoria historicamente discriminada, oprimida e pobre, não
por acaso o clube é amado também por irlandeses e ainda por grupos libertários
e esquerdistas de toda a Europa. Continue lendo
5 de fev. de 2012
Torcidas Argentinas
Se você andar alguns dias pela maior cidade do Brasil, e for um bom observador, perceberá que é mais provável encontrar alguém com a camisa da seleção argentina do que usando a da seleção brasileira. Óbvio que isso não vale para o período próximo à Copa do Mundo ou para os dias de jogo do escrete canarinho, mas é algo para se pensar. Ao mesmo tempo em que se encontra multidões que dizem odiar tudo o que diz respeito ao futebol do país vizinho é possível perceber pessoas que amam ou admiram o estilo portenho. Poucos são indiferentes, não por acaso, o futebol argentino é um dos mais importantes do mundo, alguns de seus jogadores se destacaram nas últimas décadas entre os melhores do mundo: Messi é hoje o melhor de todos e Maradona e Di Stefano estão entre os maiores de todos os tempos, também alguns dos seus clubes estão entre os mais importantes do planeta. Comparado ao futebol brasileiro a Argentina venceu mais vezes a Copa América, 14 a 8, ganhou mais Libertadores da América, 22 a 14, e ainda possui duas medalhas de ouro em Olimpiadas enquando o Brasil não tem nenhuma e no confronto direto entre seleções o equilíbrio é enorme. Por conta disso eles são os maiores rivais dos brasileiros, por isso despertam amores e ódios. Porém o que mais fascina no futebol argentino é a paixão e as festas das suas torcidas, as barras argentinas são invejadas e copiadas no Brasil, em toda a América Latina e nos quatro cantos do mundo; esse blog foi feito para mostrar um pouco disso.
27 de jan. de 2012
Barras
Barra do Nueva Chicago
Barra é um grupo de torcedores de um determinado clube que se une para acompanhar e apoiar seu time; as barras argentinas são mundialmente conhecidas por incentivarem incondicionalmente suas equipes com cantos intermináveis, instrumentos e diversos materiais. Nas arquibancadas geralmente ficam atrás dos gols e acompanham as partidas sempre de pé, cantando durante toda a partida. As barras argentinas são muito tradicionais (são consideradas as maiores e mais fortes do mundo). Se dizem representantes da alma e da garra das equipes locais e são lembradas por cantarem até quando o time está perdendo e no momento em que sofre um gol. Embora presente em diversos países, a barra é um produto tipicamente argentino e como tal é exportado para diversos países ao redor do mundo, mesmo onde elas não existem oficialmente é possível enxergar sua influência nas torcidas locais; hoje é possível encontrar barras em praticamente em toda a América Latina e em países os mais diversos, como Japão, Ucrânia, Estados Unidos e Grécia.
Grupos semelhantes as barras são encontrados em todo o mundo; como exemplos temos os ultras, sobretudo em países da Europa latina, os Hooligans nos países da Grã-Bretanha e as torcidas uniformizadas do Brasil. Há diferenças, contudo; os ultras surgem com propósitos semelhantes porém não é comum a violência e não existe qualquer apologia a ela, também não há maior identidade entre seus membros e por conta das limitações não conseguem fazer festas semelhantes nos estádios; ao contrário das torcidas organizadas brasileiras, uma barra não possui uniformes próprios, estrutura hierárquica e muitas vezes nem mesmo associados. Já as firmas hooligans inglesas, ainda que muitas vezes possam ter um caráter político geralmente ligado a grupos de extrema direita, costumam buscar uma identidade a partir do comportamento marginal e dos atos de vandalismo dos seus membros e não sendo, assim, restritas ao futebol.
17 de jan. de 2012
Futebol e Política
Em todo o mundo é comum a relação entre determinados clubes ou torcidas de futebol e certas ideologias políticas, na Itália temos os comunistas do Livorno e os fascistas da Lazio, na Espanha os socialistas do Rayo Vallecano, os franquistas do Real Madrid e os separatistas bascos do Athletic Bilbao, temos times ligados à esquerda libertária entre os alemães que apóiam o St Pauli e entre ingleses da torcida do West Ham. O maior clássico mundo, Celtic e Rangers da Escócia, além do conflito entre católicos e protestantes também carrega a marca das disputas entre esquerda e direita. O ódio racial da torcida do Estrela Vermelha serviu de base para a organização paramilitar que na Guerra da Bósnia comandaria o massacre étnico contra muçulmanos.
Os exemplos, enfim, são muitos e diversos; na Argentina essa ligação entre política e futebol também é grande e por conta da origem operária dos clubes quase todas as torcidas se identificam como de esquerda e a maioria delas cerram fileiras com o peronismo, um movimento que representa uma esquerda nacionalista e populista, defensora um Estado intervencionista aliado aos interesses dos trabalhadores urbanos. Baseado nas idéias e práticas de Juan Domingo Perón, um político que presidiu a Argentina entre 1946 e 1955 e, posteriormente, entre 1973 e 1974, o peronismo aceita o Estado centralizador e autoritário como forma de garantir um governo assistencialista aliado a sindicatos operários que age como pai dos pobres.
Imagens de Perón e Evita na torcida do River Plate
Durante a ditadura militar, as arquibancadas foram um dos poucos locais de onde se podia ver algum tipo de oposição ou contestação ao regime. É famoso o episódio ocorrido em 1981 quando dezenas de torcedores do Nueva Chicago são presos pela polícia por cantarem na arquibancada a Marcha Peronista. Cantos políticos e reivindicações populares sempre foram comuns nos estádios argentinos e durante a ditadura alguns grupos de esquerda, como a guerrilha montonera, buscaram se aliar às barras na luta contra os militares, o que levou a uma violenta repressão e à morte de vários torcedores pelas forças armadas. Diversas denúncias dão conta que várias das mortes supostamente ocorridas em conflitos entre torcidas na verdade forma crimes políticos cometidos pelo governo militar.
2 de jan. de 2012
Sofrimento monumental
O Sol ficou imóvel e a Lua ficou parada! Se Jeová parou os astros no céu para que a nação de Israel se vingasse dos seus inimigos, também poderia ter parado o mundo para que todos assistissem ao vivo e em cores a batalha entre River Plate e Belgrano no estádio Monumental. Os cristãos não devem questionar as escolhas de Deus, mas a cena poderia ser repetida para nos tornar mais humanos. Cada centésimo de segundo de sofrimento, paixão, dor, agonia, felicidade e tristeza, a morte lenta da esperança nas almas e as lágrimas. O River, um dos maiores clubes de futebol do mundo precisava vencer por dois gols para não cair para a série B do campeonato argentino, começou vencendo, tomou um gol, perdeu pênalti, foi roubado, mas isso é futebol, metáfora da vida, o que importa é a vida e na vida houve luta, fracasso e paixão na busca por honra ou apenas dignidade; não deu, após 110 anos o maior vencedor do país vai agora jogar para voltar. Imposible no llorar! Só existe um amor verdadeiro, legítimo e incondicional o amor pelo seu time de futebol, todo o resto é pataquada e estorinhas de novela. O homem é capaz de amar uma mulher e é até possível que por determinado período da vida ame apenas e tão somente uma, mas esta passará e virá outra e outra e o amor inflamado que ardia em chamas, vira brasa e vira cinza. O amor pelas cores do clube de coração, pelo distintivo da camisa não, ele é capaz de sobreviver e aumentar diante das maiores tragédias e derrotas, é o amor que cresce no desassossego e na humilhação, no futebol não é a beleza,a vitoria ou a glória que palpitam o coração é a dor e o sofrimento por isso um clube que é seguidamente campeão jamais terá aquele torcedor fanático que só poderá ser visto e construído com rios de lágrimas. Imposible no llorar!
Assinar:
Postagens (Atom)